domingo, 11 de novembro de 2007

RESISTÊNCIA DO POVO NEGRO: LEGADO DO LÍDER ZUMBI DOS PALMARES

Frei Antonio Leandro da Silva*

Neste dia 20 de Novembro, através de diversas formas de manifestações políticas e sócio-culturais, comemoramos o Dia da Consciência Negra, tendo como referencial o líder negro ZUMBI dos Palmares (Alagoas, 1655 - 20/11/1695). O grito deste incansável lutador por liberdade e eqüidade social continua a ecoar no imaginário de milhões de negros (as) brasileiros (as) de hoje. Zumbi é paradigmático para o Movimento Negro Brasileiro, porque nele encontra-se um dos princípios do ideário abolicionista: a luta pela liberdade e cidadania plena dos afro-brasileiros. Nesse sentido, a democracia substantiva somente tornar-se-á uma realidade quando essa população (51%) tiver pleno acesso às condições de igualdade de oportunidades na vida econômica, social, política, cultural e religiosa do país. Por isso, a luta incansável pela cidadania plena do negro brasileiro tem sido - ao longo dos últimos anos - a bandeira número um desse Movimento.

O primeiro e maior movimento negro revolucionário brasileiro foi liderado, depois de Ganga Zumba, por Zumbi, cujo objetivo era: a emancipação dos escravos. O espaço emblemático dessa luta é o Quilombo dos Palmares. Situado na Serra da Barriga, Alagoas, o Quilombo chegou a se constituir de uma população de mais de 30 mil habitantes. Geograficamente, Serra da Barriga – valioso sítio histórico do Brasil - significava lugar estratégico político-militar de defesa dos escravos contra o sistema escravocrata. Simbolicamente, é o locus da unidade basilar de resistência do escravo, de liberdade e de igualdade entre os diferentes-iguais. Para os escravos, este lugar passou a ser considerado a “Terra da Promissão”. Por isso, hoje, ele é paradigmático porque é considerado, pelo movimento negro nacional, o primeiro espaço social em que, na história brasileira, se ensaiava uma sociedade democraticamente livre e igualitária.

Por outro lado, “Quilombo” é também o lugar da organização, militarização e desestabilização das forças produtivas escravistas. Assim, nos séculos XVII-XVIII, encontravam-se vários quilombos espalhados por diversas regiões do país, tais como: Minas Gerais, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Goiás, Pará, Maranhão, Pernambuco, Sergipe, Rio Grande do Sul, São Paulo e Alagoas. De forma que os quilombos tiveram um papel político e estratégico fundamental na história da escravatura, pois se tornaram, como disse o sociólogo Clóvis Moura, potencial e dinamismo capazes de desgastar o escravismo e criar elementos de crise permanente em sua estrutura sócio-econômica. Ou seja, eles foram potencialmente vetores desestabilizadores da estrutura escravocrata brasileira.

Mas o maior Quilombo foi o de Zumbi dos Palmares. Sua origem data desde 1600, quando negros (as) deixavam os engenhos de açúcar de Pernambuco e se refugiavam na Serra da Barriga. Neste Quilombo, em um dos seus mocambos, nascia Zumbi (1655), que, ainda criança, fora aprisionado por soldados e dado ao padre António Melo, que o batizou com o nome de Francisco. Como adolescente - inteligente e altivo - Francisco acolitou nas missas e estudou português e latim. Porém, em 1670, ele foge, regressando a Palmares, onde (1675) na luta contra os soldados portugueses, comandados pelo Sargento-mor Manuel Lopes, revelava-se grande guerreiro e organizador militar. Daí ganha o nome de Zumbi, cujo termo, neste texto, de maneira livre, é traduzido por “guerreiro”.

Em 1678, Pedro de Almeida, Governador da capitania de Pernambuco, propôs ao então chefe do Quilombo dos Palmares, Ganga Zumba, a paz e a alforria apenas para os negros que haviam nascido neste lugar. Ganga Zumba aceita, mas Zumbi foi contrário ao acordo, porque não admitia que somente alguns negros fossem libertados, enquanto outros permanecessem escravizados. Por conta disso, Zumbi lidera a derrubada de Ganga Zumba do poder (1680), passando a governar Palmares e, militarmente, a comandar a resistência contra as tropas colonialista.

O Governador de Pernambuco, após vinte e quatro tentativas inglórias para destruir Palmares, entregou o comando para os bandeirantes Domingos Jorge Velho e Vieira de Mello que, em 1694, formando um grande exército e aparelhados com a artilharia oficial, comandam o ataque final contra a Cerca do Macaco, capital de Palmares, destruindo todos os mocambos. Zumbi, embora ferido, consegue fugir. Mas em 20 de novembro de 1695, depois de ser denunciado por um antigo companheiro, o guerreiro Zumbi é localizado, preso e degolado. Sua cabeça foi exposta em praça pública para servir de exemplo de punição àqueles que, eventualmente, se rebelassem contra o sistema escravista.

Como vemos, enquanto líder guerreiro, Zumbi construiu uma estratégia militar, para combater o poder dominante, que era formado por uma elite branca, europeizada e hierarquicamente conservadora. A este sistema, o Quilombo resistiu quase cem anos. Zumbi preferiu oferecer a sua cabeça, como símbolo de resistência, a deixar-se corromper pela ideologia do dominador.

Portanto, o Dia 20 de Novembro tornou-se um dia significativo tanto para o movimento negro quanto para os quilombos espalhados pelo país afora, porque os afro-brasileiros (as) são convocados (as) a participar das diversas formas de manifestações políticas e sócio-culturais, comemorando as vitórias e conquistas após os 312 anos da morte de Zumbi. Ademais, neste guerreiro, o movimento encontra as aspirações e os ideais abolicionistas para combater a discriminação racial e promover a igualdade de oportunidade entre brancos e negros. Por isso, a luta pela aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, o PL Cotas 73/99, a PEC 02/2006 e o 20 de Novembro, como “Dia Nacional da Consciência Negra”, simboliza a consolidação de uma série de conquistas que já foram alcançadas ao longo dos últimos trinta anos.

A cidade de São Paulo, por exemplo, tem mostrado o seu compromisso com os afro-brasileiros quando - em 1983/4 - por meio de um decreto do governador Franco Montoro, foi criado o Conselho de Participação da Comunidade Negra, cuja função era definir normas para elaborar políticas públicas para combater a discriminação racial. Depois, a Lei Orgânica Municipal de São Paulo, no que se refere ao combate ao racismo em livros didáticos, diz que é dever do Município: garantir educação igualitária, desenvolvendo o espírito crítico em relação a estereótipos sexuais, raciais e sociais das aulas, cursos, livros didáticos, manuais escolares e literatura (Capítulo I. Art. II, 2003). Finalmente, uma outra conquista do movimento negro desta cidade foi a Lei N° 13.707, de 7 de janeiro de 2004, que sanciona o dia 20 de Novembro, Dia da Consciência Negra, como dia feriado municipal.


São Paulo, 11 de novembro de 2007.

* Frei Antonio Leandro da Silva (Religioso franciscano e doutorando em Ciências Sociais pela PUC/SP).

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